Ouro na matemática, trigêmeas do ES não tinham nem internet em casa v6t1p
Fábia, Fabiele e Fabíola são medalhistas em Olimpíada de Matemática. Filhas de agricultores, elas estudavam a 21 km de onde moravam G1 ES 2a5a5m

Fazer contas não deve ter sido algo complicado para o
casal de agricultores Lauriza e Paulo Loterio. Principalmente depois do
nascimento das filhas trigêmeas, quando praticamente tudo na vida da família
ou a ser em dose tripla. Não foi diferente com as vitórias obtidas pelas
filhas.
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No ano
ado, Fábia, Fabiele e Fabíola, hoje com 15 anos, conquistaram as melhores
notas do Espírito Santo na 10ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas
Públicas (OBMEP). No dia 20 de julho, elas vão até o Rio de Janeiro receber as
medalhas de ouro.
Vida na roça
A família Loterio vive no distrito de Rio do Norte, no
município de Santa Leopoldina, no Espírito Santo, a 51 quilômetros de Vitória.
Morando
numa casa simples, sem o à internet, e a uma distância de 21 quilômetros
da escola de Ensino Médio, eles trabalham cultivando verduras e hortaliças.
Conselho de mãe
Sabendo da vida difícil da roça, os pais sempre
procuraram incentivar os filhos a estudar. “Mostro pra elas como é a vida na
roça. Falo que elas têm que estudar para poder ter um futuro melhor, porque a
gente está aqui com muita dificuldade, e eu não quero vê-las na mesma
situação”, contou Lauriza.

Seguindo os conselhos da mãe, as trigêmeas se
interessaram pelos estudos e se encontraram na área de exatas depois de
participarem da Olimpíada de Matemática. "Na escola, sempre inscreviam
todos os alunos e avisavam sobre o dia da prova. A gente fazia, porque
gostava", disse Fabíola.
Conquista
Na primeira fase da 10ª OBMEP, realizada em 2014, 18.192.526 alunos de
46.711 escolas se inscreveram para participar. Desses, 501 receberam medalha de
ouro, sendo 14 alunos do Espírito Santo. De acordo com o Instituto Nacional de
Matemática Pura e Aplicada (Impa), Fábia e Fabiele empataram e conquistaram o
1º lugar do estado. Fabíola veio em seguida, com a 2ª colocação estadual.
Para um pai como eu, que não
sabe nada, é muito orgulho"
Paulo Loterio, pai das trigêmeas
Como se não bastasse, elas também conquistaram os
três primeiros lugares no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) de Santa
Teresa, no mesmo ano. Atualmente, elas cursam o 1º ano do curso técnico em
Agropecuária, integrado ao Ensino Médio.
Para a família simples, que trabalha na roça, ver
as filhas desenhando um futuro melhor através da educação é um sonho. “Medalha
de ouro não é para qualquer um. Para um pai como eu, que não sabe nada, vê-las
subindo assim é muito orgulho”, contou Paulo, que só estudou até a 2ª série do
Ensino Fundamental.

Trajetória na
OBMEP
A primeira vez que as trigêmeas participaram da prova foi quando
estavam na 5ª série do Ensino Fundamental. Naquela vez, elas não foram
medalhistas, mas ganharam menção honrosa.
No ano seguinte, Fabíola ganhou medalha de bronze e
ou a fazer as atividades do Programa de Iniciação Científica da OBMEP, das
quais podem participar alunos medalhistas na Olimpíada.
Quando estavam na 7ª série, o resultado se repetiu,
e só Fabíola ganhou medalha de bronze. No entanto, a nota alcançada por Fabiele
também deu a ela a oportunidade de participar do PIC.
Fábia, que não havia conquistado nenhuma medalha,
se interessou em participar do programa e foi autorizada pelo Impa a frequentar
o PIC, mesmo sem ter sido medalhista.
A atividade parece ter reforçado o aprendizado das
trigêmeas, que, no ano ado, quando cursavam a 8º ano, conquistaram
medalhas de ouro na Olimpíada. “Quando a gente tem um objetivo, dá muito mais
vontade de estudar. Depois do PIC, eu conheci a matemática de verdade”, contou
Fábia.
A notícia da medalha de ouro chegou de surpresa e
empolgou o trio. “Eu nem acreditei no começo, acho que demorou para cair a
ficha que a gente tinha ganhado medalha de ouro”, contou Fabíola.
Hoje, elas contam que nunca houve disputa entre as
irmãs. “A gente não ficava competindo para ver quem é melhor, a gente ajudava
uma à outra quando alguém tinha dificuldade em alguma coisa”, disse Fabiele.
Para o diretor da escola, Saulo Andreon, a
conquista das trigêmeas vai servir de incentivo para outros estudantes.
"Foi o ápice da realização delas e da escola. A medalha coroou o
desempenho delas. Foi um marco inicial. Elas são e serão sempre uma inspiração
para os outros alunos", disse.
“Não sei se sou uma
referência para elas, mas contribuí o máximo que eu pude"
Flávia Loterio, irmã das trigêmeas
Influência da
irmã
Lauriza e Paulo contam que, com a chegada das trigêmeas, o casal, que já
tinha dois filhos, precisou trabalhar ainda mais para sustentar a família.
“Quando elas chegaram, apertou. Ficou complicado, trabalhamos em dobro”, contou
Paulo.
Como o trabalho na roça aumentou, foi a irmã mais
velha quem ajudou a cuidar das meninas pequenas enquanto os pais e o
irmão trabalhavam na roça. Dona Lauriza conta que Flávia brincava de ser
professora das irmãs, o que também pode ter incentivado as trigêmeas a se
dedicarem aos estudos.
“Desde pequena, ela incentivava elas, dava aulinha
de brincadeira, ajudou bastante. E as irmãs mais novas sempre copiam a mais
velha, então acho que foi isso que aconteceu”, contou Lauriza.
Além disso, Flávia foi a primeira filha de
agricultores da região a fazer uma faculdade. Depois de conseguir uma bolsa de
estudos em uma faculdade particular de Santa Teresa, ela se formou em
enfermagem, atualmente trabalha em Vitória e faz doutorado em Biotecnologia na
Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
"Quando ela falou em faculdade, achamos até
estranho. Ninguém tinha feito faculdade por aqui ainda. Ela correu atrás de
tudo para conseguir bolsa", contou Paulo. Orgulhosos, os pais veem a filha
mais velha como uma referência para as trigêmeas.
“Não sei se sou uma referência para elas, mas contribuí
o máximo que eu pude e vou continuar contribuindo. O que eu falava para elas é
que elas tinham que estudar para conseguirem o que querem”, contou Flávia.

Premiação
A entrega das medalhas de ouro acontece no dia 20 de
julho, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. O evento deve contar com a
presença de autoridades como a presidente da República e o Ministro da
Educação.
O
matemático Artur Ávila, uma espécie de ídolo das ciências exatas, também deve
participar da premiação.
Além disso,
a história das trigêmeas será exibida em vídeo durante o evento, em uma espécie
de apresentação da OBMEP e de como a iniciativa consegue revelar talentos.
A
reportagem também foi publicada no jornal "A Gazeta" desta
quinta-feira (9) e vai ao ar no ESTV 1ª edição, na TV Gazeta, ao meio-dia.