Lya Luft: A formação de um povo 3a4f27
A FORMAÇÃO DE UM POVO
A formação de um povo pode ser olhada sob vários aspectos. Aqui eu
falo da formação cultural, informação, crescimento, consciência dos
direitos e deveres de quem vive numa democracia verdadeira, que se
interesse por um povo formado e informado.
Aqui entra primariamente a educação, que
venho comentando sem conseguir esgotar, assunto inexaurível na vida
privada de todo cidadão e na existência geral de um povo. É preciso ter
em mente que, para os líderes, sejam quais forem, esse deve ser um
interesse primordial em sua atividade.
A mim me preocupa a redução do nível de formação e informação que nos
oferecem. Escrevi muito sobre as cotas, com que, em lugar de melhorar a
educação pela base, subindo o nível do precário ensino elementar, se
reduz o nível do ensino superior, para que se adapte aos que lá entram
mais por cota do que por mérito e preparo, em lugar de ser, como
deveria, o inverso.
Com isso, nosso ensino superior, já tão carente e ruim, com algumas
gloriosas exceções, piora ainda mais. Vejam-se os dados assustadores de
reprovação, no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, de candidatos
saídos dos nossos cursos de direito.
Os exames de igual caráter para egressos de cursos de medicina ainda
não apresentam resultado tão incrivelmente ruim, mas começam a nos
deixar alertas pois esses médicos vão lidar com o nosso corpo, a nossa
vida.
Estudantes de letras frequentemente nem sabem ortografia, e mais: não
conseguem se expressar por escrito, não têm pensamento claro e seguro,
não foram habituados, desde cedo, a argumentar, a pensar, a analisar, a
discernir, a ler e a escrever.
Agora, pelo que leio, parece que vão conseguir piorar ainda mais a
situação, pois a meninada só precisa se alfabetizar no fim do 3º ano da
escola elementar. Pergunto: o que estarão fazendo nos primeiros dois
anos de escola? Brincando? Gazeteando? A escola vai fingir que está
ensinando, preparando para a vida e a profissão? E os pais que se
interessam, o que podem esperar de tal ensino?
Aos 8 anos, meninos e meninas já deveriam estar escrevendo direito e
lendo bastante — claro que em escolas públicas de qualquer ponto do país
onde os governos tivessem colocado professores bem pagos, seguros e com
boa autoestima em escolas nas quais cada sala de aula tenha uma
prateleira com livros doados pelos respectivos governos, municipal,
estadual ou federal, interessados na formação do seu povo.
Qualquer coisa diferente disso é ilusão pura. Não resolve enviar
centenas de jovens ao exterior ou trazer estudantes estrangeiros para
cá, se a base primeira do ensino é ruim como a nossa, pois não adianta
um telhado de luxo sobre paredes rachadas em casas construídas sobre
areia movediça.
Como não adianta dar comida a quem precisaria logo a seguir de estudo
e trabalho que proporcionasse crescimento real, projetos e horizontes
em lugar da dependência de meninos que não conseguem largar o peito
materno mesmo ada a idade adequada.
O que vai acontecer? Com certeza vai se abrir e aprofundar mais o
fosso entre alunos saídos de escolas particulares que ainda consigam
manter um nível e objetivo de excelência e a imensa maioria daqueles
saídos de escolas públicas ou mesmo privadas em que o rebaixamento de
nível se instalar.
Grandes e pequenas empresas e indústrias carecem de mão de obra
especializada e boa, milhares de vagas oferecidas não são preenchidas
porque não há mão de obra preparada: imaginem se a alfabetização for
concluída no fim do 3o ano elementar, quando os alunos tiverem já 8
anos, talvez mais, quando e como serão preparados?
Com que idade estarão prontos para um mercado de trabalho cada vez
mais exigente? Ou a exigência também vai cair e teremos mais edifícios e
outras obras mal construídos, serviços deixando a desejar, nossa
excelência cada vez mais reduzida?
Não sei se somos um povo cordial: receio que sejamos desinteressados,
mal orientados e conformados, achando que é só isso que merecemos. Ou
nem pensando no assunto.